Sobre as intemperanças da vida
A vida não tem roteiro, mas existem
caminhos possíveis para viver bem?
LENILTON
JUNIOR
Dizem
que a sensibilidade do escritor salta aos olhos do leitor quando o que é
escrito sai do coração. As palavras não apenas medeiam a nossa relação com o
mundo e com os outros. Basta trocar uma palavra de uma frase por outra que, aparentemente,
tem igual significado para perceber que a semântica muda. Do mesmo modo é a
vida.
Viver
excede qualquer entendimento sistemático de comportamentos, atitudes,
pensamentos. É incontável a diversidade de vezes que procuramos nos definir e
definir o outro, mas cada um passa por diferentes processos de transformação
pessoal. Assim, não há definição que consiga abranger o significado da palavra
vida.
O que
sabemos é que a todo momento somos desafiados pela vida para que ela tenha
sentido. Viver enquanto verbo que exprime ação é receber uma folha em
branco que precisa ser escrita com caneta esferográfica, pois não dá para
apagar os erros, os tropeços, as intemperanças da vida. Dá para desconstruir e
reconstruir significados que se traduzem em mudança de comportamento, atitude e
pensamentos saudáveis. Em outras palavras, dá para passar um traço na sentença -
que, na maioria das vezes, é ação - escrita sobre o papel da vida.
Mas
como efetivamente viver num espaço social em que as palavras já não parecem
fazer mais sentido. Se é preciso outras linguagens para dizer o que não se
entende, para se fazer ser ouvido - como diz Eliane Brum em O golpe e os golpeados? Como
efetivamente viver num espaço em que padrões sociais acorrentam as pessoas e as
enrijecem, negligenciando a elas o direito de serem demasiadamente humanas, de
respeitar o outro e amá-lo? Que sociedade criamos? Somos réus e ao mesmo tempo
juízes, senhores de (in)verdades?
Penso
que é preciso mudar, através de pequenos gestos. Sendo diferente. O RESPEITO é
o primeiro passo para a mudança de hábitos, quebra de paradigmas. É preciso
transformar tabus em totens. Todos nós somos diferentes. Se até na poesia de
uma melodia se diz que "paz sem voz não é paz, é medo. " (O Rappa – Minha alma [a paz que eu não
quero]), que procuremos viver essa paz através do diálogo sensato,
respeitoso, pois é ouvindo o outro e refletindo sobre nossas ações que vivemos
mais e melhor.
Entretanto,
é válido ressaltar que a decisão advinda após o diálogo com o outro é que
define nosso caráter. Ou melhor, são nossas atitudes que IRÃO SINALIZAR as
nuances de nossa personalidade. Interessa saber, ainda, que devemos aprender
também quando é hora de deixar algumas coisas para trás. Quando optar por novos
caminhos não é desistir dos sonhos (quando se sonha), mas é ser resiliente e
ter maturidade para reconhecer que existe algo melhor a ser conquistado e, mais
ainda, que esse melhor só a alcança quando nós também nos tornamos pessoas
melhores.
Certo
dia, ouvi alguém falar sobre o processo de construção da mandala que, no
Budismo é um tipo de diagrama que simboliza a mansão sagrada, o palácio de uma
divindade e é pintada como thangkas, representada
em madeira ou metal ou construídas com areia colorida sobre uma plataforma.
Quando a mandala é feita com areia, logo após algumas cerimônias, a areia é
jogada em um rio, para que as bênçãos se espalhem. Assim,
se constrói uma metáfora sobre a vida, pois é também assim que vislumbro a
vida. Agora entendo que precisamos desapegar mais das coisas. Aprender a amar
sem receber algo em troca é um exemplo tão clichê, mas necessário agora - nesse
momento em que escrevo sob o abajur da sensibilidade desperta em mim.
Sensibilidade e uma certa dose de racionalidade.
A
racionalidade nos ajuda a perceber que o exemplo de vida do outro pode servir
como espelho para projetamos as nossas vidas. Mas é preciso que, NO PROCESSO de
construção de nossa identidade, deixemos aparecer as nuances de uma
personalidade única, singular, aquela que nos torna especiais dentre todas as
outras personalidades que existem. Ser autêntico hoje não é comum -
Infelizmente. Então, nesse processo,
certamente aprendemos coisas importantes, como:
1.
Fazer algo pensando que é o que as pessoas gostam não é algo legal, porque as
pessoas, na verdade não gostam;
2. Todos nós gostamos de ser surpreendidos;
3. Se, na nossa vida, todas as portas, no sentido
metafórico, estão fechadas, precisamos lutar para que, pelo menos, uma delas se
abra;
4. Precisamos nos entregar por inteiro aquilo que
escolhemos fazer na vida. Isso significa "vestir a camisa" do nosso emprego,
sermos responsáveis, honestos, amáveis e sinceros quando nos propomos a fazer
algo;
5.
Precisamos nos amar também, pois se não dermos valor a nós mesmos, quem
vai dar?
6.
Precisamos acreditar no nosso potencial.
Colocações
desse tipo estão presentes no filme "People
like us". No enredo do filme, um rapaz descobre que seu pai
deixou uma herança para uma irmã, até então, desconhecida pelo rapaz.
Entretanto, na medida em que o jovem busca encontrar sua suposta irmã, ele
descobre a existência de duas famílias: a que o pai dele constituiu com ele e
sua mãe, e a que foi construída com a nova irmã dele. Mais do que isso, o
protagonista descobre que a sua mãe pediu que o pai dele optasse por uma das duas
famílias. O pai, sem escolha, decide ficar com a esposa e o filho - com
quem nunca teve, efetivamente, uma relação de pai e filho -, entretanto, seus
pensamentos voltam-se para a garota, hoje mulher, que viveu boa parte de
sua vida, sem o pai. E que possui um filho, seu sobrinho. Inicia-se, então, a
atividade de reflexão crítica do telespectador sobre o que está sendo colocado
na obra fílmica: as intemperanças da vida e a forma como cada um lida com elas.
Sem
dúvida, a obra cinematográfica, a começar pelo título, nos instiga a refletir
sobre a nossa vida: momentos de alegria, tristeza, os dilemas familiares que
ultrapassam a dimensão do particular e interferem no âmbito do trabalho e nas
relações sociais estabelecidas com as demais pessoas. A literatura também
proporciona isso, muito embora sua finalidade seja a fruição a partir do trabalho
estético.
Saibamos
todos que é possível realizar aquilo que eternizado na voz de Édith Piaf deve
fazer parte do nosso cotidiano: "Je ferai un domaine/ Où l'amour sera roi/
Où l'amour sera loi/ Où tu seras reine ." (Ne me quitte pas - Édith Piaf). O mesmo seja dito de:
"Felicidade é viver na sua companhia/ Felicidade é estar contigo todo
dia." (Felicidade - Seu Jorge).
Ou, ainda: "Deixa eu dançar pro meu corpo ficar odara."/ "Deixa
eu cantar que é mundo ficar odara. (Caetano
Veloso - Odara).
Portanto,
sejamos sábios na escolha do caminho que desejamos trilhar, pois como já
sabemos, a vida não tem roteiro e recebemos um único papel para escrever sobre
ele como conjugamos o verbo viver, com quem conjugamos este verbo e em quais
circunstâncias se dará a referida conjugação.